O Natal é o tempo que decidimos dar ao outro. E esse tempo pode passar pelo digital, mas idealmente, não fica lá; sustenta-se na presença.
Aproximamo-nos rapidamente do final do ano, um ano que, arrisco dizer, foi dos mais intensos e difíceis dos últimos tempos. Há memes sobre isso para todos os gostos, mas a mensagem é mais complexa do que parece. Estamos perante um processo único de inversão social, uma transformação tão profunda que se torna impossível ignorar os seus sinais.
Depois da explosão, as redes sociais digitais continuam a crescer em número de utilizadores mas perdem cada vez mais seguidores, no sentido mais literal do termo: o indivíduo comum publica menos, interage menos e observa mais. Vai estando. Em paralelo, cresce a consciência crítica sobre as características destas plataformas, levando muitos a evitá-las de forma deliberada. O conteúdo adulterado, inflacionado ou artificial, a confusão sistemática entre verdade e mentira, entre aspiração e ilusão, agora amplificada pelo conteúdo gerado por inteligência artificial, afasta mais do que aproxima. A ideia de conexão, que esteve na génese destas plataformas, vai-se diluindo.
Ao mesmo tempo, anunciam-se novos tempos. Não de ruptura com o digital mas de regresso a uma abordagem mais analógica, complementar, com regras e limites claros. Eliminar ruído, escolher o que realmente importa. Porque nem tudo é negativo: a tecnologia, em si mesma, é neutra. As ferramentas dependem do uso que lhes damos e as redes sociais digitais nasceram, na sua essência, como espaços de relação e ligação entre pessoas. Infelizmente, quase deixaram de o ser.
Se pensarmos na relação entre a nossa vida online e offline, percebemos que a tecnologia pode ser usada como instrumento de conexão, através da troca de mensagens ou da partilha em comunidades; como ferramenta utilitária, substituindo mapas, agendas ou blocos de notas; e como espaço de entretenimento, informação e consumo, talvez a dimensão mais aleatória e menos intencional das três.
É neste contexto que o analógico volta a ganhar forma.
Temos assistido a pequenas mudanças, muitas delas impulsionadas pela nostalgia dos mais novos, que redescobrem aquilo que fomos deixando para trás em nome do dispositivo tudo-em-um que tomou conta das nossas vidas: o smartphone. Se, por um lado, as estatísticas indicam que muitas pessoas passam mais de oito horas por dia a olhar para um ecrã, por outro, as vendas de telemóveis simples têm crescido em vários mercados, recuperando o essencial: fazer chamadas, enviar mensagens, manter presença, limitando o acesso.
Sem ligação permanente à Internet, grande parte das distrações que consomem tempo, e alimentam a exaustão emocional de que tantos se queixam, deixa de estar disponível. O novo luxo passa a ser estar inacessível por opção.
E essa pode muito bem ser a escolha desta semana: mais presença e menos ausência. À mesa ou lado a lado no sofá, sem ir espreitar como está a ser o Natal dos outros, porque sabemos que o Natal não é como nos mostram online. O Natal é o tempo que decidimos dar ao outro. E esse tempo pode passar pelo digital, mas idealmente, não fica lá; sustenta-se na presença, mesmo que suportada pelo digital quando o outro está longe, e será sempre em função da atenção que a relação se estabelece. E qualquer relação esmorece quando um está e o outro se deixa absorver pelo mundo digital.
O ChatGPT foi lançado no final de 2022 e, desde então, grande parte do conteúdo que encontramos online passou a ser produzido, parcial ou totalmente, por inteligência artificial. Falta discutir limites éticos.
A literacia mediática e digital da maior parte da população não lhe permite saber que os seus dados são usados e para quê, menos ainda que as fotos que inocentemente publica são transformadas em lições para melhorar a inteligência artificial.
Vivemos num aqui-e-agora permanente, num ambiente digital que se infiltrou em todas as dimensões da vida e do trabalho. E, fascinados, desenvolvemos uma espécie de dissonância coletiva que atribui ao digital a solução para quase tudo.
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Através da observação da sua linguagem corporal poderá identificar o tipo de liderança parental, recorrendo ao modelo educativo criado porMaccobye Martin.
Ficaram por ali hora e meia a duas horas, comendo e bebendo, até os algemarem, encapuzarem e levarem de novo para as celas e a rotina dos interrogatórios e torturas.