"Não percebo os critérios, mas à partida não me parece haver muita lógica", disse à SÁBADO Paulo Paixão, reagindo aos documentos internos de trabalho reproduzidos esta manhã de sexta-feira na imprensa, dando conta de uma proposta que deixaria idosos com mais de 75 anos fora dos grupos prioritários para receberem a vacina. Paixão, médico e presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia, não está sozinho: "Recebi mensagens de colegas que não concordam e também lhes faz confusão, mas pelos vistos a situação não está fechada, não é ainda a decisão final das autoridades."
Pouco depois, a meio da manhã, surgiu a reação do Primeiro-Ministro. "Não é admissível desistir de proteger a vida em função da idade. As vidas não têm prazo de validade", declarou António Costa.
Há critérios técnicos que nunca poderão ser aceites pelos responsáveis políticos. Não é admissível desistir de proteger a vida em função da idade. As vidas não têm prazo de validade.
— António Costa (@antoniocostapm) November 27, 2020
Mais ou menos na mesma altura, o Ministério da Saúde emitia um comunicado esclarecendo "que a estratégia de vacinação contra a Covid-19, em preparação pela Direção-Geral da Saúde (DGS), ainda não foi discutida com o Ministério da Saúde nem validada politicamente."
A reação do secretário de Estado da Saúde, Lacerda Salbes, viria pelas 13h, garantindo que os "idosos serão uma prioridade neste primeiro período de vacinação". Em poucas horas os idosos passaram do fim da fila para a pole position.
A justificação da proposta que exclui os mais idosos é, avança o Público, que "nem as farmacêuticas nem a Agência Europeia do Medicamento apresentaram prova suficiente sobre a eficácia da vacina neste grupo etário".
Paulo Paixão não conhece em detalhe os ensaios das vacinas, mas aponta para a possibilidade de não estarem englobados idosos em número suficiente para se tirarem conclusões. "O que seria um bocado absurdo. Mesmo que não esteja comprovada a eficácia, isso não é motivos para não se vacinar. Se os idosos são o grupo de maior risco e quem está a morrer mais, então têm de estar na linha da frente das prioridades", declara. "Vacinar só até aos 75 anos? É muito discutível" remata, admitindo porém a necessidade de delinear planos de contingência. "Suponha que só recebemos um milhão de vacinas, o que é que fazemos? As prioridades têm de estar definidas."
Quem mais precisa da vacina, é quem vai reagir menos bem
"As pessoas com maior risco clínico devem ter prioridade", reforça um médico especialista que preferiu não ser identificado. "Quem tiver maior probabilidade de gerar complicações que levem ao internamento hospitalar, a dar entrada nos cuidados intensivos ou mesmo à morte, esses são os grupos que devem ser priorizados", defende. Seguir-se-ão os agentes de disseminação, ou seja, "profissionais de saúde, dos lares - e só depois vem o resto".
Sabendo-se que pessoas com mais de 75 anos representam mais de 80% das mortes provocadas pelo covid-19, poderia parecer lógico que esse grupo etário fosse contemplado com a vacinação o mais depressa possível. O especialista aponta, contudo, um problema: "Quanto maior a idade, mais difícil é gerar reações imunitárias." Ou seja, menor é a eficácia da vacina.
Estudos demonstram que apenas 40% das pessoas com mais de 70 consegue fazer reação imunitária à vacina da gripe, adianta. "Nós recomendamos a vacinação, mas sabemos que acima de 75 anos talvez só 4 em 10 vão beneficiar porque serão capazes de desenvolver anticorpos. Aqui ainda não sabemos, não temos dados segundo grupos etários, mas é razoável pensar que será semelhante aos estudos sobre outros vírus. Sim, temos de proteger estas pessoas, mas sabemos perfeitamente que não vão reagir tão bem à vacina como alguém de 40 anos."
Segundo documentos internos de trabalho hoje reproduzidos na imprensa, são as pessoas entre os 50 e os 75 anos com doenças graves, os funcionários e utentes de lares de idosos e os profissionais de saúde envolvidos na prestação direta de cuidados que deverão ser os primeiros a ser vacinados contra a covid-19.
Como lembrava Paulo Paixão, uns parágrafos acima: "Suponha que só recebemos um milhão de vacinas, o que é que fazemos?"
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