Jerónimo diz que duração do acordo com PS depende das políticas do Governo

Jerónimo de Sousa abriu esta sexta-feira o XX Congresso do PCP com uma extensa radiografia (e muitas críticas) aos anos de governação de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, mas não deixou de fazer vários alertas a António Costa sobre as amarras europeias a que o Governo está vinculado e como disso também pode depender o futuro da posição conjunta assinada entre socialistas e comunistas.

Numa intervenção escrita em 23 páginas e cuja leitura demorou 1h20, o secretário-geral do partido avisou que esta "nova fase" da política nacional "depende directamente da adopção de uma política que assegure a inversão do rumo de declínio e retrocesso impostos pelo Governo anterior".

Traduzindo - e sem que tenha falado na renovação do entendimento firmado há um ano no Parlamento, como já vai acontecendo entre a direcção do Bloco de Esquerda -, o líder comunista considera que nos próximos tempos, o executivo PS vai ter de aprofundar a recuperação de rendimentos e direitos dos trabalhadores. Apesar disso, Jerónimo reiterou que esta nova fase da política nacional "não traduz um Governo de esquerda, nem uma situação em que o PCP seja força de suporte ao Governo por via de um qualquer acordo de incidência parlamentar que não existe".

Seja como for, a posição inédita do partido, apontou Jerónimo, não deve sequer deixar margem para dúvidas de que a luta vai ser "cada vez mais forte". "Podem repetir até à exaustão a historieta do PCP domesticado que não nos impressionam! Como não impressionaram ninguém quando há meses, perante a perspectiva de uma solução que condenava o seu Governo à derrota, diziam exactamente o contrário e levantavam, agitados, o espantalho do assalto ao poder pelo PCP e do regresso do PREC com o PS a reboque", atirou, muito aplaudido.

A PSD e CDS ainda disse que "compromissos para traficar princípios" o PCP não assina. Mas também fez um aviso que também pode servir para consumo interno, um recado para dentro, para os mais críticos do aperto de mão a António Costa, no fundo: "Desiludam-se também aqueles que esperam ver um PCP resignado à inevitabilidade da política de direita!"

A contradição europeia

Porém, ainda antes de separar as águas - apesar dos aplausos dos congressistas à plataforma de esquerda -, o líder do PCP falou de uma contradição que parece insanável entre o seu partido e o PS: a União Europeia e todas as suas limitações. Entre esses "constrangimentos", assim disse Jerónimo, coloca-se desde logo o euro. "Muitos ainda teimam em acenar com os cenários de catástrofe no caso de uma saída do euro. No fundo, o que pretendem é vender a tese da inevitabilidade de constinuarmos amarrados a esse instrumento de exploração e domínio económico, acenando com legitimações democráticas e com uma união orçamental para manter o euro", criticou.

Mas há mais: a questão que está colocada aos líderes europeus, sustentou, "não é de maquilhar, refundar ou democratizar a União Europeia". Aos povos, acrescentou, coloca-se a questão de "articular rupturas que permitam construir outra Europa". A rematar essa tese, e depois de voltar a sublinhar a insustentabilidade da dívida ou a necessidade de controlo público da banca, uma ideia que é toda ela um programa: "É este o caminho que pode salvar os povos da Eruopa. E salvar a Europa significa cada vez mais derrotar a União Europeia."

Até porque, voltou a sinalizar, "o caminho da solução actual esbarra" perante constrangimentos como o Tratado Orçamental, que impede o investimento e o crescimento e mantém a "submissão" ao grande capital e "aos países que comandam o processo de integração capitalista".

As oito prioridades para o país

De caminho, o líder comunista identificou "os oito aspectos prioritários" para assegurar o desenvolvimento do país, que já vão sendo recorrentes nas intervenções de fundo que os principais dirigentes comunistas fazem. Começou pela "libertação" de constrangimentos comunitários como o euro; passou pela renegociação da dívida "nos seus prazos, juros e montantes"; tal como pelo aumento dos salários, pensões, trabalho com direitos e combate à precariedade.

Jerónimo também notou que é preciso defender e promover a produção nacional e os nossos sectores produtivos; garantir o controlo público da banca e recuperar outros sectores-chave para robustecer o papel do Estado na economia - ao mesmo tempo que se apoiam as micro, pequenas e médias empresas e o sector cooperativo; valorização dos serviços públicos (da saúde à educação, passando pela cultura e pela Segurança Social); maior progressividade fiscal; e, por último, a "conretização de uma justiça independente e acessível a todos".

"Geringonças locais"? Nem pensar...

Depois de acenar com os principais ganhos de causa do PCP (com o aumento extraordinário das pensões à cabeça) no Orçamento do Estado para o próximo ano, aprovado na terça-feira na Assembleia da Reública, Jerónimo falou do futuro e da batalha eleitoral que está mais próxima, as autárquicas. E que não restem dúvidas a ninguém: a única coligação que vai ganhar forma é a clássica CDU, unindo PCP, PEV e ainda a Intervenção Democrática. "Geringonças locais"? O secretário-geral do PCP responde: "Vamos para estas eleições concorrendo em todo o país no quadro da CDU e do seu projecto distintivo (...), como solução e proposta alternativa à gestão do PS, PSD e CDS-PP."

A homenagem a Fidel e à "Ilha da Liberdade"

Na parte inicial do discurso, Jerónimo de Sousa não esqueceu "o momento de tristeza" que a morte de Fidel Castro provocou aos "comunistas, revolucionários e progressistas de todo o mundo" e reafirmou, perante os congressistas, a homenagem à "excepcional figura de patriota e revoluncionário" do histórico líder cubano, "evocando a vida inteiramente consagrada aos ideais da liberdade, da paz e do socialismo".

A melhor forma de honrar a memória do "camarada", continuou, passa por "prosseguir a luta pelo ideais e projecto por que se bateu até ao fim da vida". Mas não ficou por aí: "É fortalecer a solidariedade com Cuba e a revolução socialista, exigindo o incondicional respeito pela soberania da Ilha da Liberdade, o fim imediato do criminoso bloqueio norte-americano e a restituição ao povo cubano de Guantánamo."

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