No despacho que ordenou a libertação dos 36 Hells Angels presos preventivamente e dos quatro em prisão domiciliária, a juíza de instrução do caso, Conceição Moreno, estabeleceu novas medidas de coação, que incluem a proibição dos Hells Angels participarem em qualquer evento motard, para acautelar o perigo de fuga, continuação da atividade criminosa e de perturbação do inquérito. A magistrada judicial explica ainda longamente os motivos que levaram à libertação dos suspeitos por excesso de prisão preventiva. Eles incluem a complexidade do caso, o facto de ter tido apenas um mês para o analisar e também a estratégia adotada pelas defesas.
De acordo com esse despacho, a que a SÁBADO teve acesso, os motards agora libertados passam a ser obrigados a apresentar-se semanalmente no posto policial da sua área de residência e ficam proibidos de viajar para o estrangeiro sem autorização do tribunal. Todos estão também impedidos de contactarem uns com os outros, seja "por si ou por interposta pessoa, pessoalmente ou por qualquer meio" e também com outros elementos pertencentes aos Hells Angels. Para além disso, a juíza de instrução proibiu-os também de contactarem com os "assistentes, ofendidos e testemunhas" do caso. Por fim ficaram impedidos de "se deslocarem, de entrarem e permanecerem nos cinco" capítulos (chapters) dos Hells Angels existentes em Portugal e também de "se deslocarem ou de permanecerem em locais onde existam concentrações de motards ou de participarem em qualquer evento de motards em Portugal."
A magistrada considera que a determinação destas medidas foi necessária uma vez que os fortes indícios da prática de crimes que levou à determinação da prisão preventiva de inúmeros arguidos saíram reforçados com a dedução da acusação e porque "não se desvaneceram os perigos que se pretendeu acautelar com a sujeição dos arguidos a medidas de coação detentivas".
Uma vez que o prazo máximo dessas medidas se esgotou, esses indícios levaram a juíza a concluir que "é necessária a adoção de medidas de coação não detentivas que se mostrem adequadas a acautelar tais necessidades". Por isso considerou adequadas as medidas propostas pelo Ministério Público que "deverão ser aplicadas a fim de acautelar os perigos de fuga, de continuação da atividade criminosa e de perturbação do decurso da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a conservação ou veracidade da prova".
As justificações do tribunal para o esgotamento dos prazos
No mesmo despacho que decretou a libertação dos motards, a juíza justificou os motivos que levaram a essa decisão. Para isso recorda não só a dimensão e a complexidade do caso para explicar que seria impossível terminar a instrução no prazo previsto, mas também que teve um mês entre o dia em que recebeu o processo e a data limite para a libertação dos arguidos.
A magistrada começa então por recordar que o processo não chegou imediatamente às suas mãos depois de ser deduzida a acusação, nomeadamente o facto de vários tribunais se terem declarado incompetentes para julgar o caso. "O DCIAP enviou o processo ao Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa em 2 de outubro de 2019; este tribunal veio a declarar-se incompetente e remeteu os autos ao TIC de Loures em 8 de outubro de 2019 sendo que, igualmente, o TIC de Loures se veio a declarar incompetente, considerando competente o Tribunal Central de Instrução Criminal", onde o processo só chegou a 10 de outubro.
Só no dia seguinte a magistrada teve contacto com os 78 volumes e 126 apensos, para além dos 14 recursos então interpostos – aos quais se viriam a juntar mais dois – sem contar com a acusação de 494 páginas a um total de 84 arguidos (outros cinco serão julgados num processo separado) pelos crimes de associação criminosa, extorsão, detenção de arma proibida, ofensa à integridade física, roubo, homicídio, dano, tráfico de estupefacientes, entre outros.
De acordo com o despacho da magistrada, ao longo do inquérito foram ouvidas 101 testemunhas e 71 arguidos "requereram a abertura da instrução", o primeiro dos quais deu entrada a 2 de agosto. Daqueles que pediram a abertura da instrução, "26 requereram a sua audição (diligência que o tribunal, por força da lei, está obrigado a deferir). Mais, igualmente, em sede instrutória na sua totalidade os arguidos requerem a inquirição de cerca de 123 testemunhas", para além de "algumas diligências" que o tribunal irá decidir se aceita.
"De tudo se conclui que os presentes autos, de natureza especialmente urgente (…), foi distribuído a este TCIC em 10/10/2019, sendo que o DCIAP remeteu os respetivos apensos no dia 11 de outubro de 2019, ou seja, a distribuição teve lugar menos de um mês antes da data em que as referidas medidas detentivas, na sua grande maioria, atingem o prazo máximo da sua duração", escreveu.
Em seguida, a juíza deixa implícito que o prolongamento dos prazos terá sido uma estratégia das defesas para forçar a libertação dos 36 suspeitos em prisão preventiva e os quatro (um já tinha saído, entretanto) em prisão domiciliária. "A grande maioria dos arguidos requer a realização de inúmeras diligências instrutórias, sendo que nos respetivos requerimentos de abertura de instrução, a grande maioria, ao arrolarem testemunhas e ao solicitarem a realização de algumas diligências não indicaram a que factos pretendem ou a inquirição ou a diligências, assim como não indicaram a razão da ciência das testemunhas o que determinou que o tribunal ao receber tais requerimentos tivesse que determinar a notificação dos arguidos para completarem os seus requerimentos, para o que fixou o prazo de 10 dias." Houve ainda dois requerimentos só recentemente admitidos porque faltava pagar as custas processuais.
Depois de enumerar os oito despachos que teve no processo – que incluem uma revogação e uma manutenção em prisão preventiva, decisões sobre nulidades e irregularidades – escreve que só agora o tribunal pode agendar as diligências instrutórias, que incluirão a audição de 26 arguidos, 123 testemunhas (algumas por vídeo-conferência em Portugal e em França). Será ainda necessário traduzir despachos, o que vai aumentar a morosidade do processo e leva ao fim das medidas de coação antes do início da instrução.
A magistrada recorda ainda a importância desta fase processual, "que exige a análise" das provas bem como a produção "dos atos probatórios requeridos, conquanto se justifiquem" com exceção da audição dos arguidos que a ser requerida é obrigatória. Ou seja, é fácil ver "que a presente instrução não poderia ter lugar em momento anterior ao termo do prazo máximo da maior parte das medidas detentivas aplicadas aos arguidos.
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