
Conheço várias pessoas que há já muito tempo trabalham habitualmente a partir de casa, apenas se deslocando fisicamente ao "local de trabalho" umas quantas (poucas) vezes por mês. No demais o seu trabalho é feito à distância, por internet e telefone.
Uns gostam mais do que outros mas todos reconhecem que tem muitas vantagens. Uma delas, apontada por quase todos, é o tempo que ganham para seu próprio proveito e que decorre de tudo aquilo que não precisam de fazer apenas porque não saem de casa, sobretudo não perdem tempo em arranjar-se para sair nem em deslocações. Muitos também falam do aumento da produtividade uma vez que não têm qualquer tipo de distracção. Não há com quem conversar e até as refeições e os cafés são tomados enquanto trabalham. A vantagem de estar em casa passa também pela facilidade com que, ao longo do dia, e em breves intervalos do trabalho (muitas vezes enquanto aguardam um email) vão tratando de algumas tarefas caseiras, como pôr as máquinas a lavar ou preparar o jantar. Referem também a poupança em que o trabalhar em casa se traduz: não se gasta dinheiro em transportes, em refeições fora de casa e não há a tentação de comprar qualquer coisa, muitas vezes inútil, que vemos e gostamos enquanto andamos pela rua.
Em suma, vantagens evidentes que levavam a que muitos outros, que não dispunham de tal possibilidade, a desejassem.
Nos últimos tempos, devido à situação de pandemia que nos assola, milhares de cidadãos passaram a trabalhar em casa, em regime de teletrabalho. E, se o método de teletrabalho tradicional era apetecível, aquele que agora se vive, pelo contrário – mesmo para os amantes de tal forma de trabalho – é absolutamente desgastante.
Muitas famílias estão recolhidas em casa. Mãe, pai, filhos, por vezes avós, todos ao mesmo tempo, a tempo inteiro e muitas vezes em espaços de dimensões reduzidas. Em muitos casos pai e mãe em teletrabalho.
E, em teletrabalho – onde é suposto desempenharem, no essencial, as mesmas funções que desempenhariam no seu local habitual de trabalho – é necessário cuidar dos filhos, alguns deles bem pequenos. As tarefas domésticas, que quase nem se notam quando uma pessoa está sozinha, multiplicam-se e são intermináveis. As refeições sucedem-se a um ritmo alucinante quase parecendo que entre elas não existe um qualquer intervalo. A comida nunca é suficiente e as idas ao supermercado tornam-se essenciais. As crianças mais pequenas precisam de atenção e de ser cuidadas a toda a hora e durante um dia inteiro. Os mais velhos têm aulas à distância e é preciso que alguém garanta que efectivamente assistem e assimilam aquilo que lhes é transmitido. É preciso gerir os períodos de lazer das crianças e rezar para que não entrem em conflito uns com os outros. Tudo isto muitas vezes num espaço reduzido onde todos têm que se acomodar, gerir o material informático disponível e as condições do seu funcionamento. E, em famílias onde, note-se, por regra, não existe mais do que um computador.
O encerramento das escolas e equipamentos de apoio à infância levou a que se permitisse a um dos progenitores que permanecesse em casa a cuidar dos filhos menores de 12 anos – sendo tais faltas ao trabalho consideradas justificadas e sendo recebido o equivalente a parte do vencimento. Porém, para que tais direitos se verifiquem necessário é que quer o progenitor que fica a cuidar dos filhos, quer o outro, não se encontrem em regime de teletrabalho. E este passou a ser vinculativo desde que se mostre possível a sua realização.
Nas situações descritas, o trabalho pode ser, em abstracto, realizável a partir de casa. Porém, em concreto, muitas vezes não poderá ser executado. É que ninguém consegue ser, ao mesmo tempo e em simultâneo, profissional, pai/mãe, professor, educador de infância, cozinheiro e cuidador (entre tantas outras tarefas inerentes à vida de casa e em casa). Com efeito, a manutenção do encerramento das escolas e infantários, pelo menos até Setembro, e o ensino à distância da forma como foi implementado trouxe um acréscimo de tarefas e de responsabilidades a todos aqueles que são pais e mães.
Em muitos casos, vai deixar definitivamente de ser possível conjugar o teletrabalho com o cuidar dos filhos.
Urge encontrar uma resposta legal que se adapte à actual situação!
Para poder adicionar esta notícia deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da SÁBADO, efectue o seu registo gratuito.
Marketing Automation certified by E-GOI
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados. É expressamente proibida a reprodução na totalidade ou em parte, em qualquer tipo de suporte, sem prévia permissão por escrito da Cofina Media S.A.
Consulte a Política de Privacidade Cofina.