
Em trânsito, tenho dificuldade em julgar que impacto global teve esta série peculiar de mesuras entre um líder eleito e um chefe hereditário.
Era suposto demorar dois dias, mas ficou só por poucas horas. Primeiro com Kim e Trump a sós, em parte até sem intérpretes, depois com Kim Yong Chol, Pompeo, Bolton, Kelly, Haspel, etc.
Mas na Cidade-Estado de Singapura, uma espécie de Esparta hiper-tecnológica e turística, Suíça limpa da Ásia, eis uma cimeira que não só deu brado, como preencheu todos os cantos da imaginação.
A Ilha de Sentosa já foi um campo de concentração do império japonês, já teve um nome que significava «Morte pelas Costas», e hoje designa «a terra da felicidade». Dentro dela há desde hotéis de falsa selva e parques típicos da Disneylândia. Nada mais apropriado para a primeira pedra do «Acordo de Desnuclearização Total da Península Coreana», como é conhecida nos meios cultivados a mini-cimeira Trump-Kim.
Os portugueses, como sempre, estiveram aqui, em incursões armadas ainda sob domínio filipino em Lisboa, mais de um século antes da fundação da Singapura moderna pelo governador britânico de Java, Thomas Raffles. O hotel com o nome deste continua a ser o sítio elegante onde ficar, mas Kim preferiu o St. Regis e uma suite de 7 mil euros por dia, com mármore francês e um ginásio, e Trump foi previsivelmente para o imponente Shangri-la, na Orchard Road.
Em Pyongyang não se detalhou nenhum luxo da estada, porque o país ainda é, para o mal e para bem, «comunista», se bem que a ideologia dominante, a «Juche», seja sobretudo um produto local de fusão entre marxismo leninismo estalinismo, maoismo, nacionalismo, manuais de auto-superação e «trabalhismo».
Um entendimento
O acordo de quatro pontos contém um elemento não acordado até à última hora, o a da identificação e troca de despojos de prisioneiros de guerra, entre dois países que não possuem paz há 65 anos. E Pyongyang foi obrigada a aceitar um outro ponto importante: compromete-se sozinha «à desnuclearização da Península», em vez do texto que pretendia, onde se devia dizer «os dois países comprometem-se».
A verdade, porém, é que, sem prometer mundos e fundos de ajuda (quanto custa reconstruir uma tirania oriental com infraestruturas envelhecidas e populações esquecidas em muitos sítios, obrigadas a emigrar em massa, sempre que possível, para a vizinha China?), a administração Trump, e sobretudo os negociadores hábeis que se revelaram ser Mike Pompeo e Andrew Kim (o discreto chefe do departamento KMC da CIA), levaram o regime norte-coreano a prometer o desmantelamento total de um programa considerado perigoso por todos.
Era esta a finalidade do encontro. Não a discussão dos Direitos Humanos, ainda, nem o da unificação das Coreias, que pertence aos seus povos e será tratado no guichet ao lado, nem sequer a forma da nova relação económica e política entre Washington e Pyongyang.
Tudo precisa agora de ser testado. Como se diz no texto impresso do «Relatório Minoritário», trata-se de um pré-acordo, baseado em compromissos de 1992 e 2005, nunca realizados. Falta agora assegurar a desarticulação das centrais de produção de urânio enriquecido, os sítios de comando e controlo, as rampas de lançamento, os mísseis e os locais de estacionamento e armazenagem dos mesmos, as suas plataformas logísticas e a transferência dos alegados 5 mil funcionários do programa para outras tarefas.
Vai ser um percurso complicado e hercúleo. Mas o objectivo foi celebrado na cimeira mais curta e mais desejada da história recente da desumanidade.
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