
Valentina, uma menina de 9 anos, morreu. A sua morte está a chocar e a emocionar o País. De acordo com o que é noticiado, a menina, que vivia habitualmente com a mãe, estaria a passar uma temporada em casa do pai e da madrasta, que a mataram. Estes encontram-se já em prisão preventiva, indiciados pela prática de um crime de homicídio qualificado (a madrasta por omissão) e de um crime de profanação de cadáver. Ao pai é ainda imputado, também a título indiciário, a prática de um crime de violência doméstica.
Ao certo nada mais se sabe. Tudo o que se vai ouvindo ou lendo não passa de especulação e não é mais do que o típico "diz que disse", ouvido por aí, no café, na mercearia do bairro ou no meio da rua, tão habitual neste tipo de situações. Isto não é prova e muito menos são factos. A investigação recolherá a prova necessária. Saberá certamente onde a procurar e a que portas bater para a encontrar. E, a seu tempo, o Tribunal competente apreciará, de forma adequada e necessária a todas as situações, os factos que forem levados ao seu conhecimento e, com base neles, decidirá.
A morte da Valentina foi uma tragédia. Não deixa ninguém indiferente. Porém, o choque, a emoção e a tragédia real não devem e não podem afectar o discernimento e o necessário bom senso daqueles que assumem responsabilidades públicas nas mais diferentes áreas. Não gosto de ver a transformação de um acontecimento trágico e dramático num autêntico reality show, transmitido em directo pelas televisões. A emissão de todos os momentos do drama que se ia desenrolando, o acompanhamento, filmagem e transmissão das buscas pela criança, das movimentações das autoridades policiais e dos suspeitos, a exibição quase imediata do local onde o corpo foi encontrado, as entrevistas a familiares próximos dos envolvidos, com aproveitamento da sua perturbação, dor e mágoa, para obter umas quantas frases, muitas vezes desconexas e sem sentido que não são informação, são apenas espectáculo. As imagens da mãe no interior do carro fúnebre que transportou o corpo da filha para o cemitério não eram, em nada, necessárias. A dar crédito ao noticiado, a mãe tomou conhecimento da morte da sua filha pela comunicação social. Não existiu respeito pela dor da família, nem sequer respeito pela sua privacidade, que um dia pode ser a nossa.
Mas também se levantaram inúmeras vozes contra a guarda partilhada, como se fosse esta a causa clara e evidente da morte desta menina – quando nem sequer se sabe como e em que contexto foram reguladas as responsabilidades parentais da Valentina. As críticas aos Tribunais e às CPCJP são inúmeras, embora se desconheça se actualmente existia qualquer sinalização da criança, qualquer processo pendente, se foi por determinação de qualquer entidade que a criança se encontrava em casa do pai ou se tal aconteceu por mero acordo entre ambos os progenitores. É certo que tudo isso terá de ser apurado, mas a seu tempo. E as conclusões só poderão ser extraídas dos factos e, obviamente, depois deles se conhecerem.
Claro que também eu estou chocada.
A morte de uma criança provocada (ou, neste caso concreto, alegadamente provocada) por aqueles que lhe deram vida e que, acima de todos os outros, a deveriam proteger e amar é algo que nunca deveria acontecer. É socialmente incompreensível e inaceitável.
A morte da Valentina, embora ainda estejam por apurar os seus exactos contornos, é perturbante e chocante. Tal como o foram a da Joana, a da Mafalda, a da Maria João, a do Henrique e do Raphael, a da Lara, a da Samira e da Viviane e a de muitos outros que foram mortos pelos progenitores. Em algumas destas situações poderá também ter existido responsabilidade por parte de quem, conhecendo uma situação prévia de risco, poderia e deveria ter actuado ou ter actuado de forma diferente, evitando assim a tragédia. Porém, noutras situações, não existiu qualquer sinalização, qualquer acto prévio que permitisse prever a ocorrência de qualquer tipo de violência.
Por mais que nos custe, há que aceitar situações em que quem comete o crime se torna no único responsável, sem que a culpa tenha de ser um catavento a apontar em todas as direcções. Não sei se é este o caso, mas por vezes o único responsável é mesmo aquele que pratica o acto e que nós, enquanto sociedade, não o pudemos e não vamos poder evitar.
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