Editorial

A melhor forma de enfrentar Trump

02-02-2017 por Rui Hortelão

Os acordos em casos de fraude fiscal têm enchido os cofres do Estado, mas os milhões ganhos na recolha de impostos não compensam tudo. Será que não pode acontecer o mesmo em processos como o Monte Branco e a Operação Marquês?

Donald Trump: os receios eram terríveis durante a campanha, ficaram mais nítidos após a eleição e agora a realidade começa a revelar-se tão má quanto os mais pessimistas preconizaram. O encontro com a primeira-ministra Theresa May, pela mudança de posição sobre a NATO, deixou a esperança de que talvez as coisas não fossem tão más. Mas de repente tudo piorou.

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Pela primeira vez, apesar do avanço do muro, o novo Presidente dos EUA mostrou o pior que dele se espera: despediu a procuradora-geral interina, Sally Yates, por esta ter ousado enfrentar a nova lei que restringe a imigração para os EUA. E não só o fez como transformou a decisão num manifesto de inspiração ultranacionalista: "Sally Yates traiu o Departamento de Justiça ao recusar fazer cumprir uma ordem legal para proteger os cidadãos dos Estados Unidos." Na prática, com esta última frase, Trump reafirma que vê uma ameaça potencial em cada imigrante e que os americanos se devem defender dos que tiverem opinião diferente.

As divisões nos EUA acentuam-se e, um pouco por todo o mundo, vai ficando mais difícil aos governos gerirem as relações, directas e indirectas, com Donald Trump. Não podem fazer o mesmo que um aluno de Columbia confessou fazer para se alhear do que está a acontecer: "Sabe professor, agora só leio ficção,não consigo ler mais nada..."

O alheamento e a desvalorização são, porém, as piores reacções que se podem ter. Enumerar, dia após dia, os radicalismos de Trump também é tempo perdido. Importa reflectir sobre as razões que o levaram ao poder e de que forma os que defendem valores diferentes se podem mobilizar para fazer oposição consequente.Manifestações e agitação social são formas legítimas de protesto, mas se forem as únicas nada mudará. Até porque deve procurar-se o lado positivo das coisas e aproveitar as oportunidades, como os EUA bem souberam fazer para se constituírem potência. E foi em Portugal que surgiu uma das reacções mais pertinentes e construtivas ao que se está a passar: Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud, informou publicamente a comunidade científica a trabalhar nos EUA de que a instituição está disponível para receber em Portugal os cientistas que sejam impedidos de entrar ou trabalhar em território norte-americano.

Justiça: os perigos de só cobrar
Portugal tem assistido a investigações judiciais, sem precedentes, à corrupção e a crimes económicos. A taxa de condenações é baixa, quando comparada com as suspeitas, os processos abertos e as detenções. Mas pior do que isso é a Justiça permitir que os mentores de esquemas de fuga ao fisco pelos quais já tantos responderam (e pagaram) beneficiem de condições idênticas às dos clientes que aliciaram, sem sequer os levar a julgamento. Foi o que aconteceu com os responsáveis da consultora Esger, que o Ministério Público (MP) e a Autoridade Tributária classificaram de promotora de fraudes fiscais e que associaram ao grupo e à família Espírito Santo. Agora, uma década depois do arranque da Operação Furacão – como revela a SÁBADO nesta edição (págs. 62 a 65) –, o MP aceitou não os levar a julgamento, desde que pagassem. Mesmo que com dinheiro apreendido.

Este tipo de acordos tem enchido os cofres do Estado, mas os milhões ganhos na recolha de impostos não compensam todos os riscos a que a credibilidade da nossa Justiça fica sujeita. É legítimo desconfiar se não pode acontecer o mesmo em processos tão determinantes quanto os do Monte Branco, que envolve Ricardo Salgado, ou da Operação Marquês, que levou à prisão o ex-primeiro-ministro, José Sócrates. A figura da Suspensão Provisória do Processo está prevista desde 1987,mas só era aplicada em casos de "bagatelas penais". No Verão de 2008, porém, o governo alterou cirurgicamente alguns dos pressupostos do estatuto da suspensão provisória e permitiu decisões como a agora tomada no Furacão.

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