A casa pálida

Se não comandamos a História, é esta que nos comanda. Pouco tempo depois de chegar ao poder, em 1961, numa presidência "de esquerda", John Kennedy viu-se obrigado a prosseguir com um plano de subversão da revolução cubana, arquitectado durante a anterior administração "de direita".

Quando George Bush pai tomou posse, em 1989, achava que iria administrar um mundo normalizado. Mas logo precisou de actuar militarmente no Panamá, e dois anos depois desencadeou a Tempestade do Deserto.

Recentemente eleito, o alegadamente "pacifista" Bill Clinton decidiu invadir o Haiti, mandatado pela ONU, para repor a "legalidade", inaugurando a era das intervenções militares "humanitárias".

A seguir ao processo de impugnação do mesmo Clinton, em 1998, os americanos precipitaram-se na eleição mais controversa de sempre, com a vitória a decidir-se em tribunal, por causa da Florida.

Bush filho pode ter achado que o seu mandato seria, depois destes escândalos, tranquilo. Mas começou com o maior desastre de segurança interna desde Pearl Harbor, o 11 de Setembro, pai de pelo menos duas grandes guerras.
A transição de poder na Casa Branca, independentemente do que se disse na campanha (as palavras voam, o que fica é o escrito), da acrimónia e da divisão reinante, acabará por assentar no mesmo reconhecimento do universo exterior, que existiu durante Obama: os EUA já não são o único poder de decisão global, e se agirem sozinhos perdem mais do que ganham.

Haverá novas alianças e novas formas de ver o "estrangeiro". Nenhum candidato se preparou para a hipótese do outro no poder, ou numa oposição ainda relevante. Mas o sistema americano não é monárquico. Existem várias exigências de liderança colegial ou consensual, graus de consulta, as máquinas e as burocracias. Muitos republicanos foram democratas, muitos democratas foram republicanos, muitos dos dois partidos serviram Presidentes alheios.
E uma forma qualquer de consenso é urgente.

No Médio Oriente não se espera, e traçam-se novos mapas pós-Daesh, mas não se sabe quem ganha: Turquia, Irão ou Arábia Saudita? Os curdos de quatro países (sírios, iraquianos, persas, otomanos) não ficarão parados, e as minorias cristãs exigirão nova autonomia e formas de autodefesa.

Haverá, com o fim do "Dito Estado Islâmico", uma luta global pela alma dos mais radicais dos radicais. A hipótese de ressurreição plena da Al-Qaeda, com lições aprendidas da cegueira do Califado, e a transformação deste poder territorial em raiva, por todo o mundo, exigirão de Washington sofisticação, destrinça e maior poder de análise.

O regresso dos "voluntários" da Síria precisará também de ser olhado com cautela e humanidade, mas sem ilusões nem imbecilidades "pacifistas". Talvez seja urgente uma conferência internacional para coordenar esforços, sobretudo porque a debandada dos que sobreviverem coincidirá com novas vagas migratórias.

Os EUA precisam ainda de recapturar as suas chaves de sucesso no diálogo com a Europa. Não podem limitá-lo a um Reino Unido que se tornou instável, nem podem ignorar a possibilidade de Londres retornar a um proverbial bom senso, qualquer que seja o sentido deste.

Washington tem também de perceber que a "semiguerra fria" com Moscovo é resolúvel, se bem que perigosa. A tradição de um poder pós-soviético híbrido já é suficientemente longa para se compreender que o putinismo é causa e consequência institucionais, e não mania pessoal. Mas há uma dança sobre o fio da navalha: ao inaugurar a estátua de Vladimir, o Grande, governante cristianizador do Kievan Rus, Moscovo expõe as armadilhas da História. O nacionalismo russo e o nacionalismo ucraniano olham naquele rei uma espécie de fundador, mas tiram consequências opostas do facto.

Por outras palavras, há um caso de caos à espera. Washington conhece as chaves para se readaptar ao mesmo,
rapidamente, antes que suceda o pior.
O resto do mundo agradece. 


Caixa de surpresas

A discussão sobre a CGD descambou em escândalo de costumes. O governo é suspeito de ter negociado com um gestor uma excepção ilegal, o TC é ignorado e distorcido (quando é certo que, à face do art. 109 da sua Lei Orgânica, pode agir sem ser a pedido), o PR é forçado a uma declaração do tipo puxão de orelhas, e os administradores na berlinda ficam em xeque. No fundo, se para esta banalidade se mostram desprovidos de senso, como será na resolução de ondas alterosas? E a verdade é que necessitamos de gestores íntegros e experimentados para a Caixa. Esta tem sido invadida e vandalizada pelos partidos, à custa das poupanças de todos. Se a CGD soçobra, é a revolução. Não em sentido figurado.

Partido por inteiro

Com as suas objecções sobre o OGE, o PCP pareceu ter subentendido que já não é só a voz dos "operários e camponeses", a vanguarda do "proletariado", mas o partido das classes médias, que também trabalham duramente, e são tão "oprimidas" como o geral.

Há anos, Jerónimo de Sousa aludia a uma espécie de pacto de capital e trabalho nas empresas, para vencer a ameaça da falência ou venda ao estrangeiro.

Estas declarações orçamentais parecem continuar a lógica do fim definitivo da "luta de classes", e do tardio, mas interessante alargamento da base social de apoio "ideal" dos comunistas. Com o tempo, "comunismo" passará a designar de onde vieram, não para onde vão.

Há riscos nisto? Sim, mas.... 

As crises e os homens

Em Cinco Homens que Abalaram a Europa, Jaime Nogueira Pinto (na foto) cruza biografias de chefes "autocráticos" e "totalitários" para o vulgo: Hitler, Mussolini, Estaline, Salazar e Franco. Não se limita à política: parte das raízes, do berço, das primeiras paixões e raivas. Mas não ignora as polémicas sobre a "natureza" destes criadores de regimes, as cumplicidades e as hostilidades comuns, a complexa ligação/cisão entre doutrinas e prática, e alguma especulação culta sobre o que seriam as pessoas sem as guerras. Há "fascismos" e "socialismos", Europa do Sul e do Nordeste, Igreja e Estado, vidas habituais e perigosas, o discurso e o decurso, leões e raposas, justificações e motivações. Exemplar.

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