O moralista

450 gramas de carne

05-01-2016 por Pedro Marta Santos

Há gestores, accionistas e depositantes cujas expectativas perante a realidade são infinitamente prioritárias às do cidadão comum

Como a SÁBADO recordou, desde o arranque do programa da troika, o Estado português já recapitalizou cinco bancos: BCP, BPI, Banif, Caixa Geral de Depósitos e BPN. Antes da decisão agora tomada sobre o Banif, as instituições bancárias portuguesas necessitaram de 12 mil milhões de euros do erário público para não falirem, resultado de decisões "estratégicas" de ajuda e resgate. Segundo os especialistas, as operações foram essenciais para garantir o "equilíbrio sistémico" do sector financeiro do País.

Esta inevitabilidade estruturante gera o seguinte balanço: tudo pode falir – sociedades, empresas, famílias, indivíduos e qualquer réstia de equilíbrio moral -, mas não os bancos. Há gestores, accionistas e depositantes cujas expectativas perante a realidade são infinitamente prioritárias às do cidadão comum. Há 420 anos, William Shakespeare começou a escrever uma tragicomédia, O Mercador de Veneza. Nela, um empresário, António, torna-se incapaz de pagar ao agiota Shylock a fiança do empréstimo de um cidadão, Bassanio.

Face ao incumprimento, Shylock exige a António uma libra (450 gramas) da carne do seu corpo. Na dramaturgia, com o repelente anti-semitismo da época, Shylock acaba por pagar caro a altíssima aposta. Na realidade de 2015, cada um de nós tem dado, ano após ano, 450 gramas da sua carne à infindável incompetência dos bancos, como 10,3 milhões de peças do lombo penduradas num açougueiro.

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