Eutanásia: Entre a banalização da morte e a ditadura da vida podemos ser moderados?
A polarização do debate conduz à irracionalidade na tomada de decisões, onde somos vencidos pela emoção, e ao afastamento da discussão daqueles que deveriam ser os seus principais atores. As experiências de outros países sugerem cautela. Na dúvida, uma não decisão será melhor que uma má decisão.
Eutanásia: Entre a banalização da morte e a ditadura da vida podemos ser moderados?
Os temas fraturantes movem emoções, envolvem convicções ideológicas e religiosas profundas, potenciam extremismos e colocam barreiras de diálogo difíceis de transpor. Já assim foi com a despenalização do aborto e agora sucede-se com o sensível tema da eutanásia. Abordar este tópico de forma leviana ou posicionar num dos extremos implica abdicar de uma importante discussão. Quando se polariza o debate, uns são estereotipados de promover um Estado assassino e os outros de obrigar as pessoas a sofrer. Será um debate na Assembleia da República de duas ou três horas suficiente para discutir este tema? Não, manifestamente não. Se fosse uma questão trivial e óbvia, a eutanásia não seria legal apenas em três países europeus.
Ainda que a discussão não seja nova, tem sido maioritariamente dominada pelas posições políticas. É imprescindível levar o debate para a sociedade, e envolver mais atores: médicos de diferentes especialidades, enfermeiros, especialistas de ética, psicólogos, doentes e até o cidadão comum. Se bem usado, o referendo será o instrumento certo para promover uma discussão suficientemente alargada e produtiva. Contudo, o que verificamos é que aqueles que o sugerem não o fazem com o genuíno interesse de promover um debate na sociedade e posteriormente refletir na legislação esse resultado, mas sim porque veem-no como a última esperança para bloquearem a aprovação de algo que sempre discordaram (independentemente da opinião dos eleitores), num contexto em que o atual xadrez político na Assembleia da República é largamente favorável à sua legalização. O que se assiste é que se quer transformar este instrumento popular, o referendo, num instrumento populista e hipócrita. Usa-se quando dá jeito, despreza-se quando é um entrave. No meio destes jogos políticos, nós, a sociedade, somos tratados como fantoches.
Apesar das intenções não serem sempre as mais nobres, o referendo é desejável e recomendável. Primeiro, porque nem todos os partidos que se propõem a aprovar o tema colocaram-no no seu programa eleitoral (começando no PS). Depois, porque o número restrito de países onde a eutanásia foi despenalizada sugere-nos elevada prudência. A amostra internacional é limitada, inclusive em termos temporais, além de que o quadro legal diverge e os resultados revelam riscos que devem ser acautelados. Na Holanda (país pioneiro na legalização da eutanásia), está-se agora a discutir a possibilidade de extremar ainda mais a legislação ao disponibilizar gratuitamente um comprimido letal a idosos acima dos 70 anos que se sintam "cansados de viver". Na Bélgica (onde a morte assistida é legal desde 2002), os critérios têm-se expandido ao longo dos anos para incluir menores e até pessoas sem doenças terminais. Na Suíça, a eutanásia é proibida, mas o suicídio assistido (no qual é o próprio doente que toma a fórmula letal, apesar de ter sido administrada pelo médico) é legal, o que tem tornado este país conhecido pelo "turismo da morte", onde vários casos na sua história foram aprovados (surpreendentemente) em menos de uma semana.