Decididos a estender o seu legado e a lembrar ao mundo a sua relevância, os U2 editam este mês a sequela de Songs of Innocence, a que chamaram Songs of Experience (à idade da inocência segue-se a da experiência, verdade?). Ao mesmo tempo, anunciaram o seguimento da Innocence-Experience Tour, iniciada em 2015 e que deveria "imitar" o estilo da Zoo TV Tour - que juntava muito aparato e temas de dois grandes álbuns: Achtung Baby e Zooropa.

Agora com 15 novas datas, a partir de Maio de 2018, mas só nos Estados Unidos (enquanto a Europa espera - e Portugal, que não os vê desde os memoráveis concertos de 2010 em Coimbra, desespera), a nova digressão retoma a que havia sido interrompida (ou melhor, substituída, na falta de novidades em disco para mostrar) por outra - completamente esgotada e vista por 2,7 milhões de pessoas até terminar, em Outubro, em São Paulo. Esta celebrava os 30 anos de The Joshua Tree, o histórico álbum de 1987 produzido por Daniel Lanois e Brian Eno que continha êxitos como With Or Without You e Where the Streets Have No Name. O disco fez do grupo irlandês, já algo badalado mas até então apenas apreciado por fãs de punk-rock e seguidores de grandes causas sociais vertidas em canções, um caso planetário de unanimidade de público e crítica que lhes valeu o título de "maior banda rock do mundo" - mantido até depois de os Nirvana inventarem o grunge e de os Radiohead mudarem todas as regras do pop-rock, na década seguinte.



Este novo álbum, que é o 14.º do grupo de Bono Vox, The Edge, Adam Clayton e Larry Mullen Jr., já estava prometido desde a edição de Songs of Innocence, em 2014 - o tal que foi imposto a todos os utilizadores do iTunes, quisessem-no ou não, o que deu brado, lembram-se? Logo nessa altura, segundo o vocalista, já tinham muitas canções quase prontas - e nem todas, nem anteriores nem subsequentes, ao que parece, "sobreviveram". S. O. S. - Streets Of Surrender, por exemplo, que Bono escreveu em 2015, inspirado pelos ataques terroristas em Paris, e que o italiano Zucchero incluiu no seu álbum de 2016, Black Cat, não figura entre os 13 originais que o compõem.

Contudo, lá está - entre títulos "amorosos", pouco surpreendentes, como Love Is All We Have Left, Summer of Love e Love Is Bigger Than Anything in It's Way - o par de faixas que os fãs já conheciam: The Blackout, divulgada em Agosto, e o single lançado em Setembro, You're the Best Thing About Me, que Bono dedica à mulher e descreve como "o retrato de um idiota numa crise de meia-idade".

Ainda se vai ouvir muito, é certo, até porque na edição deluxe (que inclui também Ordinary Love, da banda sonora de Mandela, a novíssima Book of Your Heart e uma cover com arranjo de cordas de Lights of Home, a segunda faixa do álbum), ressurge como bónus, em registo dançável, com a mão do DJ e produtor Kygo. Não é o único convidado: Get Out of Your Way é uma nova versão, "revista e aumentada", de XXX, parceria com o rapper Kendrick Lamar, que este incluiu no seu álbum, Damn., editado em Abril.

São dois bons exemplos do ambiente profundamente contemporâneo, porém melancólico, que trespassa este álbum movido a melodias simples, batidas hipnóticas e refrães fortes, ao melhor estilo pop (não é por acaso que The Edge cita Anti, de Rihanna, como influência), mas ao mesmo tempo pejado de versos lúgubres, ensombrados pela ideia de perda, decadência e finitude: Bono escreveu a maioria das letras em forma de cartas, enviadas do "Outro Mundo" (ou seja, do leito de morte) aos seus grandes amores: além de Ali, sua mulher desde 1982, os quatro filhos e Jesus.

É bastante óbvio que a tal "experiência" de que fala o título se refere ao peso dos 57 anos de Bono e a preocupação com a passagem do tempo, que pareceu gritar-lhe aos ouvidos em 2014, quando um acidente de bicicleta, no Central Park de Nova Iorque, o levou ao hospital, com o úmero partido a furar o blusão de cabedal que vestia.

De certa forma, teve uma espécie de epifania e pôs-se a reavaliar tudo, passando a convalescença a escrever compulsivamente e tentando esquecer as polémicas à sua volta, fosse por causa das negociatas com a Apple, dos projectos beneméritos ou da fuga aos impostos (e os Paradise Papers ainda não tinham sido revelados...).

Decidiu, portanto, concentrar-se no mais importante - e arrastou a banda com ele: em Maio de 2016, um dos quatro produtores do álbum, Ryan Tedder (os outros são Jacknife Lee, Steve Lillywhite e o mago das electrónicas fundador dos Lamb, Andy Barlow, cada um de estilo distinto, a disparar em várias direcções e com resultados desiguais), comentou inclusivamente, ao site Radio.com "que nunca os tinha visto tão focados e que este era o melhor material que haviam criado desde All That You Can't Leave Behind", de 2000.

Bono, de resto, ainda na semana passada reconheceu, em entrevista ao The Sunday Times - lembrando as mortes recentes, que o "afectaram profundamente", do amigo David Bowie e do ídolo Leonard Cohen, bem mais consensuais do que ele -, que "no teu funeral, ninguém fala daquilo que alcançaste, mas se eras divertido ou carinhoso com os teus filhos". Portanto, hoje está cada vez "menos preocupado" com o seu legado ou a carreira dos U2, iniciada em 1976, e mais com o que os amigos e a família pensam dele. Também diz que "as mulheres, unidas, a lutar pela mudança, são hoje a grande esperança para a humanidade". Fala a "Vox" da experiência.

Songs of Experience
Pop-rock • Ed. Universal
€15,99 (em pré-venda, na Fnac)

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