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Schieder Da Silva16.06.2017
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Fez o curso de empreendedorismo numa tenda e ajudou sírios a trabalhar, fosse a fazer queijo ou no Booking
Compra um fato bom, com estilo, não arranjes um barato, disse-lhe o contrabandista. E ele assim fez. "Também comprei sapatos novos, uma pasta, tive de ir a um centro comercial [tratar disso], a ideia era parecer um homem de negócios", conta à SÁBADO Jay Asad. Para dar (ainda) mais credibilidade ao disfarce, deixou a Grécia num voo em classe executiva; quando aterrou em Amesterdão continuou a andar, sempre; telefonou ao irmão assim que saiu do aeroporto e juntou-se a ele numa praça da cidade; depois procurou um hotel para passar a noite. A fuga deste refugiado sírio nunca foi interrompida. "Estava habituado a aeroportos e isso ajudou muito, a minha linguagem corporal não pareceu estranha. Sei onde me sentar, como falar." Fato, sapatos, pasta – o preço estava incluído no custo total da viagem que o levou até à Holanda, onde vive desde 2015.
A ideia de viajar em executiva, como o homem de negócios que na verdade sempre tinha sido, não foi a única que ouviu, mas foi a que mais o convenceu. Para sair de Esmirna, na Turquia, falou "com uns 14 contrabandistas", em Atenas, onde apanhou o avião, com outros oito. "Há tantos… E são todos uns bandidos. Tens de confiar no teu instinto". Mas o instinto de Jihad Asad, ou Jay, como todos o tratam, nem sempre esteve certo, admite. Quando a SÁBADO falou com ele pela primeira vez, em Abril do ano passado, estava a preparar o primeiro fundo de investimento para negócios criados por refugiados, o Amalna Ventures, que ainda tem site (em construção) e se previa que arrancasse com um milhão de euros – chegou a organizar um encontro que juntou um grupo de investidores e quatro empreendedores que lhes apresentaram as suas ideias de negócio. "O resultado mostrou que não estavam prontos. Viviam no passado, numa economia em desenvolvimento que precisava desesperadamente de tudo, e a Holanda é uma economia saturada, que precisa de produtos e serviços inovadores, com um grande potencial de crescimento ou com forte impacto social."
Desistiu do fundo, mas não dos negócios. Há dois meses, lançou a RefuJay Foundation e uma incubadora para startups na área da comida: está a trabalhar com cinco refugiados e dois projectos, a empresa de catering Startup Kitchen e a Baladi Cheese & Dairy (queijo e lacticínios), que deve começar a produzir no próximo mês. "A comida é uma óptima forma de introduzir uma nova cultura", diz à SÁBADO o empreendedor que ao longo da sua vida criou e liderou 16 empresas em áreas tão diferentes como hotelaria, construção, desporto, transportes, comércio, comida e decoração. E que quando chegou a Amesterdão se juntou à Refugee Company, uma rede que liga refugiados à procura de trabalho a mais de 40 empresas do país – é uma das pessoas que a lidera, coordena gente que cozinha, fotografa, faz T-shirts e instalações de arte, design e montagem de eventos.
Trabalhar para o Booking
O maior projecto que fizeram até hoje? Quatro painéis artísticos de 17 por 9 metros para o Booking.com, com 30 designers recrutados em vários abrigos. "Queriam painéis a quatro dimensões e nós dissemos: ‘OK, mas a impressão custa, no total, 8 mil euros.’ Geralmente fazemos o design no computador e depois imprimimos. Neste caso, pelo mesmo dinheiro propusemos pintar tudo à mão. E o Booking aceitou", explicou Fleur Bakker, directora criativa da Refugee Company. Outro projecto? A instalação de 226 painéis solares no telhado do The Student Hotel, um conceito que junta, no mesmo espaço, hotel, residência universitária e estúdios para arrendamentos de maior duração – há 10 hotéis destes no mundo, Portugal deve receber o primeiro em 2019.
Fazer pão no campo de refugiados
Os primeiros negócios de Jay depois de sair da Síria começaram num dos seis campos de refugiados por onde passou, aquele onde esteve mais tempo, oito meses. "Detesto estar sem fazer nada e nos campos não é permitido trabalhar, por isso decidi criar o meu próprio curso de empreendedorismo", diz à SÁBADO, admitindo que, antes disso, ainda convenceu os responsáveis a permitirem que fizesse algumas traduções de documentos e conversas, a maior parte com sírios que, ao contrário dele, não falavam inglês.
Só depois disso aceitaram dar -lhe uma sala. Jay fez o resto: "Estudei as leis, a etiqueta de negócios na Holanda, traduzi tudo e fui -lhes passando a informação" – ao ritmo de duas aulas oficiais por semana, e de vários outros encontros para trocar ideias, muitas vezes à noite.
Dos 27 alunos que se inscreveram nas suas aulas saíram dois negócios, um de produção de queijo, outro de pão, ambos feitos com panelas e tachos comprados em segunda mão, explica Jay, e com materiais que chegavam de fornecedores locais através das redes que cercavam o campo.
Foi uma espécie de regresso à vida normal. Fez a sua primeira empresa aos 17 anos, quando ainda estudava – primeiro esteve no Kuwait, depois nos Estados Unidos, onde fez um MBA. Era só ele e um telefone, mas os clientes de Miami pensavam tratar-se de uma multinacional, pelo menos uma candidata a isso, que vendia tudo o que precisavam para decorar as suas casas. Jay atendia telefones, batia às portas para vender produtos, marcava a sua entrega e instalação, promovia a empresa com anúncios em jornais e revistas, usava sempre uma T-shirt com o nome da companhia que fundara e da qual era, na verdade, o único empregado – as outras pessoas que apareciam em casa dos clientes eram de empresas externas, contratadas à medida das necessidades. "Toda a gente pensava que era uma grande empresa quando, na verdade, era só uma pessoa. Ganhei muito dinheiro."
Jay viveu pela primeira vez na Síria entre 1995 e 2000, quando a instabilidade deu umas tréguas, regressou em 2011, achou que devia ajudar o pai, engenheiro civil, também ele empreendedor. Ainda "lhe fiz alguns negócios, uma frota de autocarros, um rent-a-car, um restaurante, um hotel... Adorava-o, mas nos negócios era muito controlador. Gosto de criar empresas e de as vender logo que estão a dar dinheiro e o meu pai tinha um problema com isso. No início da guerra pedi-lhe que vendesse imensas coisas e ele não quis. Perdemos quase tudo."
Foi nessa altura que Jay foi de Damasco até Beirute num carro alugado, com um motorista que conhecia bem todos os checkpoints; de Beirute para Izmir – a parte mais tranquila do percurso – com o seu passaporte sírio, como um normal turista; depois veio o trekking de oito horas, à noite, "nem a nossa mão conseguíamos ver", pelo menos ele, que usa óculos e não os pôde levar – pediu ao rapaz que ia à sua frente que não parasse de falar, isso ajudava-o a perceber o caminho, andavam durante uma hora, depois paravam outra hora, no meio dos arbustos; seguiram-se mais três horas e meia de barco até ao primeiro campo de refugiados onde esteve, duas noites a dormir na rua, depois o segundo e o pior de todos, na ilha grega de Samos, onde ficou mais 15 dias. "O pequeno-almoço era um pedaço de pão com marmelada, não havia nada para beber. Dormimos no chão de cimento três noites, sem cobertores." E estava frio? "Não como aqui", brinca Jay, a falar da Holanda, 8 graus agora, "mas frio". E antes do barco que os levou às ilhas ainda haveria mais aventuras, descreve. "Andámos de um lado para o outro durante quatro horas, os contrabandistas viam-nos de longe, para ver se estávamos a seguir as ordens deles. Até que alguém disse: vai passar um carro, saltem". E eles saltaram.
Texto originalmente publicado na edição n.º 674, de 30 de Março de 2017, da SÁBADO.
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