Cientistas anunciam supercondutor que funciona à temperatura ambiente. E isso muda tudo
Estes supercondutores podem vir a ser usados na poupança de energia, aumentar o poder dos dispositivos tecnológicos ou mover comboios que "levitam". Comunidade científica está entusiasmada, mas cética quanto a nova descoberta.
O mundo tecnológico pode vir a ser completamente alterado depois de uma "simples" descoberta: um supercondutor que funciona à temperatura ambiente. A poupança de energia que esta descoberta pode originar representa um ganho de milhares de milhões de euros em energia desperdiçada diariamente, para arrefecer estes dispositivos. Além disso, supercondutores que funcionem à temperatura ambiente podem ser usados para propulsionar carros elétricos ou carregar o telemóvel mais rápido. Mas há um longo caminho a percorrer até os supercondutores fazerem parte do nosso quotidiano e mesmo esta nova descoberta está envolta em suspeitas sobre a sua credibilidade.
Tudo começa na forma como a eletricidade "flui": através dos cabos por onde é transmitida encontra resistência, perdendo potência sob a forma de calor. Mas há várias décadas, os físicos descobriram aquilo a que chamaram "materiais supercondutores" que faziam desaparecer essa resistência. No entanto, para conseguir esse efeito, os materiais tinham de ser conservados a temperaturas muito frias, impedindo que fossem usadas no dia a dia. Começou então uma pesquisa para encontrar supercondutores que funcionassem à temperatura ambiente.
Atualmente, as redes elétricas mais eficazes perdem pelo menos 5% da sua energia no processo de transmissão. Conseguir evitar essa perda pode poupar milhões de euros e até ajudar no combate às alterações climáticas. Há outras aplicações práticas para estes supercondutores, como a impulsão a comboios magnéticos em sistemas de levitação (em que não há contacto entre o veículo e os carris), computadores mais eficazes, melhores tecnologias de raio-x ou reatores de fusão nuclear ainda mais poderosos.
As inúmeras possibilidades tornaram esta pesquisa uma prioridade da comunidade científica, mas esta não é a primeira vez que surge a notícia de que foi "encontrado" um material supercondutor. Em 2020, a mesma equipa publicou um ensaio que prometia um material com estes efeitos. No entanto, o ensaio levantou polémica e foi removido.
De acordo com o jornal The New York Times, o novo supercondutor proposto pela equipa científica é feito a partir de lutécio - um metal de terra raro -, hidrogénio e nitrogénio. Esta liga tem de passar ainda por um intrincado processo de compressão (cerca de 10 vezes superior à que se sente nas fossas mais profundas do oceano) até ganhar as suas propriedades "supercondutoras".
Num encontro na Sociedade Americana de Física, em Las Vegas, Ranga P. Dias, professor de engenharia mecânica e de física na Universidade de Rochester, em Nova Iorque, afirmou: "Estamos perante um novo tipo de material que será útil a nível prático". Na plateia foi aplaudido, mas continua a haver alguma reticência quanto à descoberta.
A polémica
A apreensão da comunidade científica é motivada pelo anterior ensaio que acabou removido. Em 2020 foram levantadas suspeitas de que os cientistas tinham fabricado dados usados para o ensaio então publicado e Dias foi acusado de não facilitar o acesso aos dados para análises independentes. O seu trabalho acabou mesmo por ser removido da Nature pelos editores de conteúdos da revista científica, apesar dos protestos da equipa. Ouvido pelo jornal norte-americano The New York Times, James Hamlin, professor de física da Universidade da Florida, disse ter perdido confiança nas descobertas vindas daquele grupo. Apesar deste alegado descrédito, o trabalho foi submetido a uma revisão de pares e passou, tendo ganhado lugar na revista científica.
A história dos supercondutores
O primeiro supercondutor foi descoberto pela equipa do físico neerlandês Heike Kamerlingh Onnes, em 1911. O cientista conseguiu criar uma forma de a eletricidade correr sem resistência num material sem campos magnéticos.
Mas para conseguir este supercondutor eram precisas condições de temperatura próximas do zero absoluto (ou seja, -273,15 °C). Muitos anos depois, já na década de 80, foi descoberto um novo supercondutor que encurtava a temperatura necessária, sendo que na década passada Mikhail Eremets descobriu um supercondutor que operava funcionalmente a -23ºC.
Em 2020, a equipa de Dias criou um supercondutor num composto de hidrato de enxofre carbonácio que funcionava a uma temperatura ambiente de 15ºC.
A descoberta de supercondutores a uma temperatura ambiente é uma descoberta relevante, mas a verdade é que os níveis de pressão exigidos para o seu funcionamento continuam a ser demasiado altos.
A superconetividade é atingida quando o material é comprimido a uma pressão de 10 mil quilos por centímetro quadrado. Estas condições só são possíveis ainda em equipamentos altamente elaborados. Reduzir a pressão necessária será o próximo desafio científico no caminho de busca pelos supercondutores.
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